quarta-feira, 2 de julho de 2014

Novas tendências geram oportunidades para o mercado Pet

Novas tendências geram oportunidades para o mercado Pet

Produtos e serviços buscam combater patologias próprias da vida em cativeiro. Negócios também usam valorização da adoção para se aproximar de target e iniciam atuação na web

Por Renata Leite, do Mundo do Marketing | 01/07/2014

renata.leite@mundodomarketing.com.br

Depois da tendência de humanização dos pets, que saltaram do jardim diretamente para a cama e o sofá de seus donos, negócios do setor começam a caminhar no sentido oposto, apostando em técnicas de resgate dos instintos dos animais de estimação como grande diferencial. A saída de cães e gatos de casas com espaços mais amplos para os pequenos apartamentos atuais e a ausência, na maioria das vezes, de companhia por grandes períodos do dia vêm gerando uma série de transtornos comportamentais neles e, consequentemente, oportunidades de negócios nesse mercado.
A técnica conhecida como enriquecimento ambiental já é aplicada há algum tempo em zoológicos, onde animais selvagens permanecem em cativeiros, mas seu uso com bichos domésticos é recente no Brasil. A ideia por traz do modelo é proporcionar atividades aos cães e gatos que se assemelhem à vida livre. No cuidado em casa, atividades como a busca por comida, o acasalamento, a convivência em bando e a fuga de predadores são suprimidas, o que pode tornar a rotina um tanto monótona.
Os reflexos costumam aparecer em móveis, objetos da casa e até mesmo no próprio corpo do pet – em casos de automutilação –, que acabam se tornando a válvula de escape de tanta energia concentrada. “Na vida silvestre, os animais passam cerca de dois terços do tempo acordados, basicamente procurando comida. Já nas casas, existe a cultura de colocar a ração no comidouro e a alimentação acontece em apenas um minuto. Conheci o conceito de enriquecimento ambiental em negócios para o mercado pet na Europa e o apliquei ao segmento de brinquedos”, conta Dalton Ishikawa, Sócio da Pet Games, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Bem-estar animal
O desenvolvimento e a fabricação dos brinquedos e de outros itens do dia a dia, como comedouros, são realizados no Brasil pela empresa desde 2011 com o objetivo de melhorar a qualidade de vida animal. Quando o veterinário se formou na USP, em 1995, o conceito de enriquecimento ambiental sequer fazia parte das aulas, mas hoje já foi incluída à grade de pelo menos metade das universidades. “A preocupação com o bem-estar animal está crescendo muito rapidamente, especialmente entre veterinários e associações da classe, creches e adestradores. Já conto com uma rede bem ampla de parceiros, que me ajudam a testar e divulgar os brinquedos que vendo”, diz Dalton Ishikawa.
Os profissionais são importantes para levar essa consciência aos donos de cães e gatos, que se acostumaram a distanciá-los da vida selvagem – seja vestindo-os com roupas ou até levando-os a serviços tipicamente humanos, como de spa. A prática não é condenada por aqueles que hoje se voltam para o desenvolvimento de produtos e serviços no modelo inverso, mas deve ser combinada com os novos itens disponíveis, para uma compensação.
Os brinquedos inteligentes acumulam funções não atendidas pelos produtos comuns, encontrados em larga escala nas pet shops. “Em qualquer loja, 95% dos produtos oferecidos vêm da China e, do ponto de vista da cabeça do animal, têm a mesma função: servem apenas para ele morder. Existem muitos outros atos, além do de roer, que proporcionam o bem-estar animal”, ressalta Dalton Ishikawa.
Segmento de hospedagem
Ainda são poucos os negócios especializados na técnica no Brasil, mas aos poucos a rede especializada começa a tomar conhecimento dela e aplica-la em novas áreas de atuação. Além do segmento de fabricação de brinquedos, o de hospedagem também já desperta para o modelo, aproveitando o momento em que os animais de estimação estão fora das residências onde vivem para gastar a energia acumulada e colocá-los de volta em papéis próprios de sua natureza.
O conceito de enriquecimento ambiental é um importante diferencial para a Dog Solution, que oferece serviços de day care há quatro anos em São Paulo. Quando o negócio foi aberto, contava com no máximo quatro concorrentes diretos e, hoje, já divide o mercado com mais de 20 empreendimentos do tipo instalados na capital. As perspectivas são de ainda mais crescimento do segmento, em função do ritmo de vida dos paulistas, que trabalham por muitas horas do dia e ainda perdem outras em congestionamentos. Essa realidade faz com que os cães não possam permanecer durante tanto tempo sozinhos nos apartamentos.
Com a crescente demanda de clientes, no espaço de 500 metros quadrados, há três anos e meio foi iniciada a operação também da Dog Consult, que assessora empreendedores a iniciarem negócios no ramo. “Hoje temos fila de espera de pets para serem atendidos. Recebemos uma média de 45 cães, podendo chegar a 60 caso a maioria seja de raça pequena. Isso demonstra que ainda há oportunidades para novos negócios, pois não alcançamos o pico da oferta, mas é preciso ter diferenciação para permanecer. Algumas empresas já estão fechando as portas, num movimento semelhante ao que ocorreu com as pet shops no passado, numa espécie de seleção natural”, explica Roberto Zanetti, sócio da Dog Solution e da Dog Consult, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Segundo maior mercado no mundo
O setor de negócios pet ainda está longe de ser uma briga de cachorro grande. O mercado brasileiro, diferentemente do americano, que é líder em número de animais e em faturamento, ainda é muito pulverizado. Uma grande quantidade de pequenos negócios têm como diferencial para conquista do cliente o atendimento personalizado e a localização. Os donos de pet costumam buscar unidades próximas a suas residências e valorizam a consultoria de vendedores que possam indicar novos produtos e serviços que estejam disponíveis.
Globalmente, essa indústria fechou o ano passado com faturamento de U$ 102 bilhões, U$ 7 bilhões a mais do que em 2012. Os Estados Unidos respondem sozinhos por 30% do faturamento no planeta. Em segunda posição, aparece o Brasil, que movimentou, em 2013, R$ 15,2 bilhões, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet). Nessa contagem não entra o valor conseguido com a venda de filhotes, que movimentou sozinha cerca de R$ 1 bilhão.
O país conta hoje com cerca de um animal doméstico para cada dois habitantes, o que incentiva ainda mais a multiplicação de negócios no setor. São cerca de 37,1 milhões de cães e 21,3 milhões de gatos, além de 26,5 milhões de peixes e 19,1 milhões de aves. Os dados da Abinpet incluem ainda 2,17 milhões de outros bichos mantidos em residências, totalizando mais de 100 milhões de pets em escala nacional.
Adoção é tema da vez
Para conseguir se aproximar de tantos potenciais clientes é preciso falar a língua deles e entender como é o relacionamento entre humanos e animais de estimação hoje – que é bem diferente do que foi no passado. A humanização verificada nas últimas décadas, além de levar o conceito do enriquecimento ambiental para o setor, também gerou um movimento crescente em prol da adoção de bichos em situação de abandono. Há uma parte da população que hoje chega a condenar a compra de pets.
O pagamento de quantias em troca dos animais legitimaria um papel de dono que não é mais tão apreciado. Por outro lado, quando ocorre a adoção, a sensação é de que o humano é que foi escolhido pelo pet. A forma como o “novo filho” chega à vida dos donos diz muito sobre a relação deles com o animal, segundo pesquisa da Consumoteca. Se por um lado a compra do filhote estabelece uma relação em que o cão ou gato é uma necessidade do ser humano, neste caso, o sentimento desejado é o inverso. A relação tida como saudável é aquela na qual o animal é o centro, onde é ele quem tem necessidades, vontades e gosto.
As pessoas mais voltadas para a causa animal são classificadas como engajadas pelo estudo da consultoria. “Este perfil está na luta para salvar os animais, que representam mais do que uma companhia, mas sim uma causa defendida. Hoje é quase impossível abrir o Facebook e não encontrar, em postagens de ao menos um amigo, imagens de pets em situação de abandono. As marcas podem se apoderar dessa preocupação crescente de modo poderoso”, ressalta Bruno Maletta, diretor da Consumoteca, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Indústria se apropria
Muitas empresas já perceberam a valorização crescente da adoção em meio aos amantes de animais de estimação e buscam se aproximar deles patrocinando feiras, investindo em abrigos e fazendo ações que condenam o abandono. A Mars, por meio da marca Predigree, promove a ação “Adotar é tudo de bom” há seis anos. Por meio dela, ajuda atualmente 33 ONGs em 11 estados, doando alimento, materiais de suporte para feiras, como tendas, kits de adotante com ração, bolinha, comedouro, pingente de identificação e guia que também serve de carteira de vacinação.
Além disso, o programa conta também com o Plano de Excelência, que completou um ano em março de 2014, e tem como objetivo a profissionalização das entidades parceiras, difundindo boas práticas e estimulando a troca de informações entre elas. Cerca de 44 mil cães já foram adotados com ajuda da empresa, sendo 350 deles num único dia, durante evento que promoveu feiras simultâneas em diversos estados brasileiros. O movimento, que contou com a colaboração voluntária de funcionários da Mars, foi chamado de Dia da Adoção de Pedigree teve sua primeira edição em 25 de maio de 2014.
A causa hoje faz parte do propósito da marca de ração para cachorros, num programa global da companhia. “Estimamos internamente que cerca de metade da população canina esteja hoje abandonada. Cerca de 70% desses animais são levados para abrigos e quase 90% acham um lar. Nosso objetivo é levantar a bandeira da adoção e chamar a atenção para esse problema”, ressalta Valdo Viana, Gerente de Marketing da Mars, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Alimentação de animais
Outra causa da companhia é proporcionar uma alimentação saudável para os cães. Um levantamento feito pela Mars aponta que praticamente metade das calorias ingeridas por animais domésticos no país não vem de alimentos industrializados próprios para este fim. A fabricante empreende esforços de Marketing tendo como principal desafio alcançar o índice de 100% das calorias sendo provenientes de ração.
A realidade mais distante dos objetivos da empresa está no interior, onde ainda é muito comum se alimentar os animais com restos das refeições humanas. Nas capitais, a humanização dos pets também leva alguns donos a prepararem comida caseira para eles, como uma espécie de mimo. “A comida humana não tem os nutrientes e os benefícios necessários a um cachorro ou um gato. Chocolates, por exemplo, são extremamente tóxicos a eles. Nossa principal bandeira é de conscientizar que existe um alimento correto para os pets”, ressalta Valdo Viana.
O mercado de rações é dominado por multinacionais de grande porte, o que dificulta a entrada de novos negócios no mercado, mas o segmento de alimentação ainda apresenta oportunidades, em especial com snacks. . A Ice Pet Cute abriu suas portas em 2010 e desde então fabrica exclusivamente picolés e sorvetes para animais domésticos, mostrando que os petiscos tendem a se diversificar e ir além do osso e do biscoito.
Parceria com veterinários
Além de funcionar como um agrado para o cão e um refresco durante os dias quentes de verão, o produto costuma ser muito aproveitado por veterinários para alimentação no período pós-operatório e como veículo para administração de medicamentos. “Por não ser sólido como outros petiscos, ele se torna ideal para a administração de remédios. Muitos animais não aceitam comprimidos nem medicamentos líquidos colocados na boca por meio de seringas”, explica Paulo Silva, Diretor comercial da Ice Pet Cute.
A empresa vende cerca de cinco mil potinhos de sorvete congelados por mês e outros 14 mil sachês também mensalmente. “Somos os únicos na América do Sul a trabalhar com esse tipo de produto. Existem umas quatro ou cinco fábricas no mundo: nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia. Já mandamos produtos para todo o Brasil, Espanha, Portugal, Estados Unidos e Alemanha, mas ainda em pequenas quantidades, mais para experimentação. A logística foi simplificada quando desenvolvemos a fórmula líquida, que é congelado no freezer de casa”, diz Paulo Silva.
E-commerce é desafio
O e-commerce ainda engatinha em relação ao segmento pet, já que os donos de animais preferem caminhar até lojas próximas a suas casas, muitas vezes em companhia do cão, para comprar produtos. Aos poucos, no entanto, negócios começam a ingressar na web, em especial aqueles voltados para o mercado B2B. A 4Vets montou o primeiro market place do setor no Brasil, reunindo em uma única plataforma produtos variados voltados para clínicas veterinárias e pet shops. A companhia fornece de shampoo, a caminhas, passando por medicamentos.
A plataforma, que foi lançada oficialmente em janeiro deste ano, é interessante para o modelo de negócios das lojas brasileiras. “O segmento costuma reunir em um só lugar três categorias: a clínica veterinária, a venda de acessórios e a oferta de produtos de banho. Até então, as empresas precisavam recorrer a diversos fornecedores para se abastecerem. Damos acesso a todo o Brasil a marcas e produtos diversos, facilitando ainda mais o dia a dia das lojas fora das capitais”, explica Bernardo Arrospide, sócio da 4Vets, em entrevista ao Mundo do Marketing.
O market place conta atualmente com 1.750 itens e pretende chegar a quatro mil até o fim de 2014. No início da operação, o portfólio se restringia a 300 produtos. A empresa não possui estoques e, em vez disso, envia pedidos feitos pelo site diretamente para os distribuidores e fornecedores, que então completam a entrega dos produtos.